DÍVIDA E EMPRÉSTIMOS ABUTRES ESTÃO A MATAR ÁFRICA

O peso da dívida de 824 mil milhões de dólares e os empréstimos opacos apoiados em recursos prejudicam o potencial de África, alerta o Presidente do Banco Africano de Desenvolvimento. O continente pagará 74 mil milhões de dólares de serviço da dívida, um aumento acentuado em relação aos 17 mil milhões de dólares de 2010.

O imenso potencial económico de África está a ser minado por empréstimos não transparentes apoiados em recursos que complicam a resolução da dívida e comprometem o crescimento futuro dos países, afirmou o Presidente do Banco Africano de Desenvolvimento (AfDB), Akinwumi Adesina.

“Penso que está na altura de termos uma responsabilização pela transparência da dívida e de nos certificarmos de que toda esta questão dos empréstimos opacos apoiados em recursos naturais acaba, porque complica a questão da dívida e a questão da resolução da dívida”, disse Akinwumi Adesina ao jornalista Yinka Adegoke, na Cimeira Semafor África, à margem das Reuniões da Primavera do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial 2024.

Akinwumi Adesina destacou os desafios colocados pelo aumento da dívida externa de África, que atingiu 824 mil milhões de dólares em 2021, com os países a dedicarem 65% do seu Produto Interno Bruto ao serviço destas obrigações, acrescentando que, só este ano, o continente pagará 74 mil milhões de dólares de serviço da dívida, um aumento acentuado em relação aos 17 mil milhões de dólares de 2010.

Embora reconhecendo as pressões fiscais enfrentadas pelas nações africanas devido à pandemia de Covid-19, às necessidades de infra-estruturas e ao aumento da inflação, Akinwumi Adesina sublinhou a necessidade de abordar as questões estruturais no panorama da dívida de África. O líder do AfDB salientou a mudança do financiamento concessional para uma dívida comercial mais cara e de curto prazo, com a dívida em Eurobonds a representar actualmente 44% da dívida total de África, contra 14 a 17% anteriormente.

Criticou também o ‘África premium’ que os países pagam quando acedem aos mercados de capitais, apesar de os dados mostrarem que as taxas de incumprimento em África são inferiores às de outras regiões. O Presidente do AfDB apelou ao fim desta percepção de risco, que, considerou, leva a custos de empréstimo mais elevados para os países africanos.

Akinwumi Adesina sublinhou a importância de criar uma forma ordenada e previsível de lidar com a dívida de África, apelando a uma implementação mais rápida do Quadro Comum do G20.

O Presidente do Banco Africano de Desenvolvimento sublinhou também a necessidade de aumentar o financiamento concessional, isto é, em condições mais favoráveis que as da banca comercial, especialmente para os países de baixo rendimento. “O que é particularmente interessante em África é que o nível de financiamento em condições favoráveis diminuiu significativamente”, afirmou, acrescentando que o Fundo Africano de Desenvolvimento – o braço do Grupo Banco que concede empréstimos concessionais aos países de baixo rendimento – está a conceder financiamento a longo prazo a taxas de juro baixas aos 37 países mais vulneráveis.

Akinwumi Adesina discutiu vários instrumentos e iniciativas utilizados pelo Banco Africano de Desenvolvimento para reduzir o risco dos projectos e atrair investidores institucionais, tais como garantias parciais de crédito, capital híbrido e titularização sintética.

Olhando para o futuro, Akinwumi Adesina mostrou-se optimista em relação às oportunidades em África, em particular nas energias renováveis, dado o vasto potencial solar do continente. Destacou também o Fórum Africano de Investimento, uma plataforma criada pelo Banco e pelos seus parceiros, que reúne investidores de todo o mundo para facilitar investimentos em grande escala em sectores-chave como as infra-estruturas, o digital e as energias renováveis.

“África é o melhor destino de investimento do mundo”, concluiu Akinwumi Adesina, enfatizando o compromisso do Banco Africano de Desenvolvimento em criar um ambiente propício para que os investimentos prosperem.

A sessão da cimeira Semafor – intitulada “Classe média global em ascensão: O aumento da dívida dos países em desenvolvimento é uma bênção ou uma maldição?” – reuniu uma série de participantes para conversarem sobre o aumento do peso da dívida enfrentado pelos países em desenvolvimento à medida que os custos dos empréstimos aumentam.

Outros participantes incluíram Xavier Becerra, Secretário da Saúde e dos Serviços Humanos dos EUA; Raj Shah, Presidente da Fundação Rockefeller; Andrew Steer, Presidente e Director Executivo do Bezos Earth Fund; e Brent Neiman, Secretário Adjunto para as Finanças Internacionais do Tesouro dos EUA.

Raj Shah sublinhou a importância de equilibrar as necessidades económicas dos países em desenvolvimento com a necessidade de acção climática. Para ajudar o governo sul-africano a desactivar a central eléctrica de Komati, alimentada a carvão, a Fundação Rockefeller, através da Global Energy Alliance for People and Planet, desenvolveu um plano de requalificação dos trabalhadores da central, criando simultaneamente novos postos de trabalho e melhorando as infra-estruturas de transmissão, para que as energias renováveis possam dar poder às empresas locais. “É uma conversa irrealista pedir às pessoas que fechem a sua única fonte real de prosperidade e causem perdas de emprego”, disse Raj Shah.

Brent Neiman abordou os esforços do governo dos EUA para ajudar os países africanos a reduzir o peso da dívida. Referiu que a Costa do Marfim, o Benim e o Quénia emitiram quase 5 mil milhões de dólares em títulos de dívida desde o início de 2024, a taxas de juro que variam entre 8 e 10%. Esta é uma prova, afirmou, de que as economias emergentes continuam a ter capacidade para aceder aos mercados de capitais. Adesina citou ainda a Mesa Redonda Mundial sobre a Dívida Soberana como um instrumento que permitiu reunir credores e devedores para fazer face ao aumento da dívida dos países em desenvolvimento.

Legenda: Akinwumi Adesina (à direita) alerta para o impacto dos empréstimos não transparentes garantidos por recursos no peso da dívida de África.

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